domingo, 12 de setembro de 2010
Especial caderno Regional "Semiárido em transição" Diário do Nordeste 12/092010
No Cariri, a cisterna recebe uma identidade bem regional, depois de fazer a junção de algumas técnicas, aproveitando ao máximo os processos de captação da água da chuva. Batizada de Chapéu de Padre Cícero, o novo modelo vem sendo utilizado em projetos comunitários. Uma das primeiras está sendo testada este ano, no Município de Nova Olinda.
A ideia era captar água com mais eficiência. Os técnicos da Associação Cristã de Base (ACB), do Crato, observaram que a cisterna calçadão poderia ter uma melhor forma de aproveitamento da água. Até aí, o que descia do telhado e poderia ir para a cisterna não estava sendo aproveitado. E era muito mais desperdício do que a absorção do sistema de calçadão. O passo seguinte foi criar uma técnica que não precisasse de tanto espaço para a calçada e, com isso, tivesse o aproveitamento do telhado da cisterna, além de usar o formato circular e ter o plantio em forma de mandala, com culturas diferenciadas.
Há quatro meses, cerca de 15 famílias da Casa de Farinha Dona Soledade, da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Sítio Serra do Catolé, aproveitam a água da cisterna de 50 mil litros para a produção. Um resultado que tem dado alegria, num dos anos de pior fase chuvosa da década. A partir do próximo mês os produtores passarão a comprar água para continuar o processamento da mandioca para a produção de farinha e goma, já que as chuvas foram poucas este ano. Mas já nas duas primeiras puderam constatar a eficiência do novo processo.
Marca regional
Aprovado o projeto, e já com pedidos, o diretor executivo da ACB, Jorge Pinto, destaca que se buscou, por meio de pesquisa da própria instituição, um nome que fizesse justiça à descoberta do processo. “A ideia de criar uma marca regional, a cisterna Chapéu de Padre Cícero, passou a ser uma referência de construção”, afirma. Algo simples, mas que partiu de uma observação bem trabalhada. A cisterna em formato circular e com um cone no meio acumula de 50 a 54 mil litros, capta água da chuva do telhado, do calçadão e leva para o sistema mandala.
Por enquanto, os produtores têm cultivado pouco em redor do calçadão circular. Há alguns pés de mandioca, e a palma para o gado. Mas o diretor da ACB diz que o processo será melhor organizado, já que a entidade é uma referência desse projeto. No Cariri, até o momento, tem pelo menos três dentro desse sistema, em que há outra vantagem: o custo reduzido da produção. Antes da cisterna, conforme o agricultor Antônio Prudêncio Gerônimo, da Associação Comunitária, se comprava a água por até R$ 50,00 em carro-pipa. Se não fosse a água acumulada da cisterna, já teriam gasto cerca de R$ 400,00, só em água. Esse valor seria diretamente descontado na produção.
A cultura das cisternas tem sido motivo de análise constante por parte dos coordenadores desse processo na região. Segundo Jorge, as novas formas de convivência com a estiagem têm possibilitado uma melhor qualidade de vida para as pessoas. A implantação das cisternas, dentro do Programa de 1 Milhão de Cisternas (P1MC), começou a ser implantado no Cariri desde 2001.
Chuva insuficiente
De lá para cá, milhares de famílias são assistidas na região e mais uma demanda a ser atendida, seja por meio de projetos comunitários ou simplesmente em suas próprias casas, com a implementação das cisternas de placas, de 16 mil litros. Só que, este ano, não choveu o suficiente para os reservatórios permanecerem cheios por mais tempo. Na maioria das localidades, há assistência por meio de carro-pipa. Onde a Defesa Civil não chega, a compra das carradas de água chega a até R$ 80,00. É o que vai acontecer com os integrantes da Casa de Farinha, que de agora em diante terão que comprar água para tocar o processamento local da mandioca.
Segundo Jorge, as mudanças vêm sendo acompanhadas pela entidade junto às famílias da zona rural. São mulheres chefes de família, com crianças na escola, idosos, portadores de deficiência. A ACB tem trabalhado atualmente com 18 municípios da região. Mas todas as cidades do Cariri estão com cisternas.
O trabalho foi desenvolvido com o envolvimento inicial da Cáritas Diocesana e da ACB, que inicialmente era unidade executora e continua agora como gestora, também com projeto junto ao Governo do Estado para implantação de cisternas. Mesmo assim, a demanda é alta.
PROTAGONISTA
Mudanças para melhor
“Era muito difícil ter que sobreviver em cima da serra apenas com a água dos barreiros. Sempre tínhamos que percorrer várias léguas para ter água de beber. Ia buscar no lombo de jumento. Hoje, existe seca, não é fácil a gente passar por esse momento, mas a forma de viver é diferente”, afirma a agricultora Maria de Fátima do Nascimento, de Nova Olinda".
AGROFLORESTA
Agricultor aproveita a água para cultivar morangos
A experiência com morangos é a mais recente. Na Chapada do Araripe, o que parece uma fruta desconhecida para a maioria dos moradores passou a ser um capricho no pequenino plantio de José Cazuza da Silva, conhecido por Zé Padre. Ele resolveu, em meio a milhares de plantas que cultiva dentro de sua agrofloresta, experimentar o cultivo da espécie. A partir de uma pequena muda, ofertada por uma amiga, passou a ter dezenas cultivadas em seu terreno. E também pequenos e doces morangos, que só chegaram após um ano de espera.
Há mais de dez anos, Zé Padre faz um trabalho de formiguinha em uma terra que antes não tinha nada. Nem água. Para ele, mesmo não sendo tão fértil, sempre tem alguma coisa para comer. Aos pouquinhos, na sua experiência de agroflorestamento, torna-se uma referência para as experiências desenvolvidas sempre com o apoio da Associação Cristã de Base (ACB).
Na área de pelo menos cinco hectares de terras de Zé do Padre, toda ocupada com diversas espécies de plantas, ele foi o primeiro a receber a cisterna calçadão na região. E lá fez brotar do chão, regada pela água da nova técnica de captação, os plantios que ele diz ser fruto também da paciência. É um amante da natureza, mas também lembra dos momentos de sofrimento que teve de passar por conta das secas consecutivas, que estão sendo minimizadas graças ao apoio das cisternas em sua casa.
As suas primeiras mudas de morangos, por exemplo, estão plantadas dentro de um canteiro econômico. Uma lona e terra adubada por cima e um pouco de água diariamente garantem a sobrevivência do plantio. Mas não dá para comercializar o produto. A produção não oferece oportunidade para a venda. São poucos e a criançada aproveita.
Ao lado do calçadão da cisterna, alguns maracujás, bananeira, cajueiros, coqueiros e por aí vai. Todos eles fazem a alegria do homem que passou a ser chamado até de teimoso e bobo pelos vizinhos, por ter que esperar por tanto tempo para obter o resultado do que planta. Mas que vem, depois de alguns anos, tendo um bom proveito com os frutos que colhe, numa das áreas de maior carência de água da região, em cima da serra do Araripe. Dá para comer, e isso é visto em seu rosto. Pele rosada, aparência saudável. O resultado de uma boa alimentação.
“Quando cheguei aqui, essa terra não nascia nada. Agora, já sai algumas plantinhas, naturalmente”, diz. E essa prova de paciência chama a atenção para quem passa pela frente do seu terreno. No canteiro econômico, dividiu a plantação com o coentro, mas no morangueiro começou a crescer ramos.
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